Justiça Federal condena ex-presidente da Vasp a oito anos de prisão
06/07/2012
A Justiça Federal condenou o empresário Wagner Canhedo, ex-diretor presidente da Viação Aérea São Paulo (Vasp), a 8 anos, 8 meses e 17 dias de prisão por crime de apropriação indébita de contribuição previdenciária. O montante que Canhedo deixou de recolher aos cofres da Previdência, segundo cálculo da Procuradoria da República, alcança cerca de R$ 35 milhões.
Em sentença de 12 páginas, o juiz Fábio Rubem David Müzel, da 7.ª Vara Federal em São Paulo, assinalou que "a materialidade do delito está devidamente delineada".
A base da acusação são processos administrativos fiscais - Notificações Fiscais de Lançamento de Débito - que, para o juiz, evidenciam a falta de recolhimento das contribuições descontadas do salário dos segurados empregados e não repassadas ao INSS, no prazo e forma legais, em violação ao artigo 168-A, parágrafo 1.º, do Código Penal.
Canhedo, de 75 anos, foi condenado a cumprir pena em regime fechado, mas poderá apelar em liberdade porque o juiz considerou que não estão presentes os pressupostos para a decretação da prisão cautelar do réu - ameaça à garantia da ordem pública ou à aplicação da lei penal. Seu advogado, o criminalista Ricardo Alexandre de Freitas, já recorreu ao Tribunal Regional Federal da 3.ª Região (TRF3). Ele pede anulação da sentença.
O juiz da 7.ª Vara Federal julgou parcialmente procedente a denúncia do Ministério Público Federal, que também atribuía a Canhedo crime contra a ordem tributária e sonegação de contribuição previdenciária - nestes casos, o empresário foi absolvido pelo juiz Fábio Müzel.
A ação penal foi aberta em junho de 2008. Os crimes imputados a Canhedo, segundo a Procuradoria da República, ocorreram no período entre maio de 2003 a dezembro de 2004.
Dívidas. Na ocasião, a Vasp atravessava pesadas dificuldades financeiras. A empresa interrompeu os voos em janeiro de 2005, quando o antigo Departamento de Aviação Civil (DAC, hoje Anac) cassou autorização de operação. A Vasp foi submetida a um processo de recuperação judicial entre 2005 e 2008. Em 4 de setembro de 2008, a 1.ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais de São Paulo decretou a falência da companhia, então com dívidas estimadas em R$ 5 bilhões. Atualmente, Canhedo é dono de uma empresa de ônibus em Brasília.
"No que diz respeito à autoria do crime, deve ser destacado que o elemento subjetivo no delito do artigo 168-A, para todas as figuras, é o delito genérico, ou seja, a vontade livre e consciente de não recolher a contribuição social cujo repasse aos cofres públicos era um dever legal", assevera o juiz. "Portanto, é irrelevante, para configurar o crime, que o réu não tenha se apropriado das quantias descontadas dos empregados."
O juiz destaca: "A autodefesa e a defesa técnica confirmam que não houve o repasse das contribuições descontadas dos segurados, mas indicam que tal fato decorreu de dificuldades financeiras enfrentadas pela sociedade. No entanto, para que possa ser acolhida a causa supralegal de exclusão da culpabilidade, revela-se imprescindível que também seja demonstrado que a pessoa física do administrador tenha sido atingida pelos problemas financeiros da empresa".
O juiz anotou que mesmo com os problemas financeiros da empresa, a fiscalização apurou que entre maio e dezembro de 2003 "continuava a existir o pagamento de honorários da diretoria e do conselho fiscal/administração da Vasp".
● Prejuízo
R$ 5 bilhões era o valor estimado das dívidas da aérea Vasp na época em que a falência da empresa foi decretada, em setembro de 2008
R$ 35 mi foi o valor que o empresário Wagner Canhedo deixou de recolher à Previdência, segundo a Procuradoria da República
Defesa apela e diz que sentença tem ‘falhas graves’
Advogado de Canhedo afirma que uso da esfera criminal para cobrança de impostos remete aos ‘tempos medievais’
Inconformado com a condenação de Wagner Canhedo, o criminalista Ricardo Alexandre de Freitas apelou ao Tribunal Regional Federal apontando “falhas graves” da sentença: “Houve cerceamento de defesa. Não havia necessidade de o Estado usar a esfera criminal para cobrar impostos. Isso remete a tempos medievais. A dívida pode ser cobrada com penhora de bens antes de chegar à imputação criminal. A Vasp tem crédito de R$ 5 bilhões decorrente de erosão tarifária. Todas as outras empresas aéreas que operaram naquela época ganharam.”
Freitas argumenta que requereu que o julgamento fosse convertido em diligência e que o juiz nomeasse perito contábil. “Nosso objetivo era que ficasse constatado que o sr. Wagner dispôs efetivamente de seu patrimônio pessoal, injetou recursos próprios para tentar salvar a companhia.O sr. Wagner amava a Vasp, era a paixão da vida dele. Pretendíamos demonstrar a conduta (de Canhedo) nos autos, mas o juiz não permitiu. O tribunal vai anular a sentença.”
O advogado é categórico. “O sr. Wagner é um homem sério, querido por todos os empregados. Não merece esse tipo de tratamento. Ele não se apropriou dos valores da Previdência. A dificuldade era imensa, não havia desconto da folha, pagava- se o líquido. Era preciso cobrir despesas de combustível, taxas aeroportuárias, peças de reposição e manutenção, o básico. Não houve dolo, não houve vontade de sonegar impostos, de se apropriar de verbas da Previdência, mas priorização para manter a empresa em operação. Na fase de dificuldades ele parou de fazer retirara de pro labore.”
Freitas pede preliminarmente ao TRF anulação da sentença por cerceamento. No mérito, o criminalista pleiteia “reconhecimento da inexigibilidade de conduta diversa” – o revés financeiro obrigou Canhedo a agir daquela forma, excludente de culpabilidade. / F.M.