2023: empresas aéreas devem ter mais um ano difícil pela frente
Os recordes de receita reportados pela Azul e pela Gol neste ano mostram que a demanda segue robusta no setor de aviação, com as companhias conseguindo reajustar tarifas mesmo num cenário de perda de poder de compra.
Apesar da nítida recuperação do mercado, o horizonte de juros, dólar e preços do combustível elevados em 2023 vai continuar pressionando as empresas, que ainda têm pouca margem de manobra em balanço para superar eventuais novos obstáculos.
Na visão do analista de transportes do Citi, Stephen Trent, apesar da demanda firme, acompanhada de repasse de tarifas, tudo indica que 2023 não vai ser fácil para as companhias brasileiras. “Para aéreas que não geram receita em dólar, o alto preço do combustível é um problema, porque petróleo e derivados são indexados à moeda norte-americana. Isso cria um desafio adicional para as empresas do Brasil”, afirmou ao Broadcast.
As companhias aéreas dos Estados Unidos já voltaram a lucrar há algum tempo, enquanto as brasileiras seguem no terreno negativo. Segundo balanço reportado recentemente, a Azul acumula prejuízo até setembro de R$ 1,6 bilhão e, a Gol, R$ 1,79 bilhão. “Abaixo da linha do operacional, efeitos de itens não caixa devem continuar criando obstáculos por algum tempo, provavelmente por mais um ano até a situação macroeconômica se normalizar”, afirma.
Até lá, o analista de research da Ativa Investimentos, Ilan Arbetman, diz que eventuais desarranjos no fluxo de caixa podem criar dificuldades para as companhias brasileiras, embora Azul e Gol tenham certa “tranquilidade” em relação aos vencimentos de dívidas até 2024. “O setor é muito volátil, quando há uma crise, os desembolsos de caixa são diários, como vimos na pandemia. A depender do momento de mercado, é possível que vejamos em 2023 as companhias tendo de acessar dispositivos como linhas de crédito com instituições financeiras.”
A Azul encerrou o terceiro trimestre com liquidez imediata de R$ 3,4 bilhões, enquanto a Gol reportou R$ 3,7 bilhões. No período, a Azul conseguiu reduzir significativamente sua alavancagem (medida pela relação dívida líquida sobre o Ebitda), saindo de um patamar de 11 vezes ao fim de 2021 para 5,7 vezes em setembro.
Já a concorrente Gol não foi tão exitosa ao reduzir o indicador, que ainda permanece no nível de 9 vezes, ante 11 vezes no terceiro trimestre de 2021.
“A Azul parece estar mais bem posicionada porque sua demanda é menos elástica do que a da Gol, com oportunidades em mercados menos densos, e isso inclui a divisão de carga. Já a Gol tem alta densidade em suas rotas, como na ponte aérea, enquanto sua concorrente tem mais capilaridade no mercado doméstico”, diz Trent.
O analista do Citi afirma que boa parte do endividamento das aéreas está relacionada ao aluguel (leasing) de aeronaves, o que não requer pagamento do principal da dívida. Trent diz que, em algum momento, a companhia aérea devolve o avião, a dívida sai do balanço e, com um novo leasing, uma nova dívida entra. “Contanto que a companhia tenha capacidade de pagar o aluguel do avião, isso caracteriza o curso normal da operação”, diz.
Contudo, há potencial de elevação das taxas de leasing no mercado. “No caso da Azul, a companhia já começou a pagar algumas taxas maiores, mas neste momento não temos indicação de que serão proibitivas”, diz Trent. “Se chegarmos a esse ponto, haveria espaço para as aéreas se reunirem para negociar com os lessores (empresas de leasing de aeronaves).”
Além das preocupações acerca do combustível, num ambiente global mais bélico, as taxas de juros seguem como grande incerteza para 2023. “A taxa de juros é um dos fatores difíceis de prever para o ano que vem”, diz Stephen.
Segundo ele ainda, para melhorar o balanço, quase todas as aéreas precisam de algum nível de desalavancagem. “A principal arma que as companhias têm para reduzir dívida é a tarifa. Diante do cenário de demanda atual, é uma oportunidade para as aéreas manterem a capacidade relativamente limitada”, diz Stephen. “À medida que a demanda sobe, Azul e Gol vão maximizar a receita unitária antes de adicionar mais capacidade no mercado.”