Após meses 'presa' no Brasil, moçambicana conseguirá retornar ao país natal
Do sonho à angústia: antes da pandemia, primeiros dias de Carmen no Brasil foram de absoluta alegria.
Quando chegou ao Brasil, em fevereiro, a moçambicana Carmen Augusto, 27, sequer imaginava permanecer no país por quase um semestre. A pandemia do novo coronavírus mudou os planos da jovem e, assim, a viagem de férias virou pesadelo. A corrida contra o tempo para voltar à terra natal e se reorganizar, contudo, parece estar perto da linha de chegada. Ela conseguiu um voo em direção ao aeroporto de Maputo, capital de Moçambique, e deve partir nesta quinta-feira.
Carmen precisa estar em Londres, na Inglaterra, até 21 de setembro, sob o risco de perder bolsa de mestrado em uma das mais conceituadas escolas de Economia do mundo. Viajar até a Europa sem passar por Moçambique é inviável. Documentos e materiais necessários para o começo do mestrado estão no país africano.
O retorno estava programado para 4 de abril, mas a COVID-19 “prendeu” Carmen no país. Depois do voo original, ela, que começou a estadia em solo brasileiro no Rio de Janeiro e agora vive com uma amiga em São Paulo, tentou embarcar diversas outras vezes. Todas sem sucesso.
Além de complicar a vida acadêmica de Carmen, a pandemia fez com que a moça ficasse ainda mais tempo longe dos parentes. “Queria passar um tempo no Brasil e, depois voltar à Moçambique para ficar com minha família e organizar os documentos para o mestrado”, diz ela, que veio dos Estados Unidos, onde trabalhava. O emprego foi deixado em prol do “sonho inglês”.
Tentativas frustradas
Durante o período sem voos diretos para Moçambique, Carmen passou a tentar viagens com escala. Entretanto, países como África do Sul, Zimbábue e Malawi vetaram a entrada dela. Com a pandemia, os requisitos para o desembarque em determinadas nações foram endurecidas. “Nenhum desses países me aceitou, pois não sou cidadã local”, lamenta.
Para piorar, o passaporte vence em 17 de agosto, o que impede a aceitação das escalas por parte das companhias aéreas. Depois, a ideia passou a ser utilizar a Tanzânia como “ponte”. Por conta da validade do passaporte, ela só poderia viajar munindo um documento emergencial, fornecido pela embaixada de Moçambique no Brasil. Sem o atestado, não há como desembarcar em terras tanzanianas.
Quando o Estado de Minas tomou conhecimento da história de Carmen, ela tentava entrar na Tanzânia de outro modo. O plano era conseguir um documento, em inglês, feito pela embaixada moçambicana e assinado pela representação tanzaniana.
Em contato com a reportagem, contudo, o setor consular da embaixada da Tanzânia explicou que basta a “autorização de emergência” fornecida por Moçambique. Como os dois países compõem a Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral (SADC), o visto não é necessário. O mesmo ocorre, por exemplo, em viagens entre países do Mercosul, do qual o Brasil faz parte.
Apreensão
Carmen se preparou para uma viagem de férias e, portanto, ficou “desprevenida”. Sem trabalho e dividindo residência, ela precisou “queimar” parte das reservas financeiras destinadas ao mestrado para sobreviver. A série de voos cancelados ainda gerou transtornos na busca pelo reembolso. “Foi um sacrifício falar com as linhas aéreas para reaver meu dinheiro”, pontua.
Ela conta que a Escola de Economia e Ciência Política de Londres nada pôde fazer para ajudá-la. Outros alunos também relataram dificuldades para viajar rumo à Inglaterra. Como é impossível amparar todos os casos, a instituição optou por não interferir.
“Lutei muito para conseguir. Vim de uma família que não tem muito. Isso é uma oportunidade para mim, especialmente como mulher negra e moçambicana. É sempre bom ter educação. Esse é um dos meus sonhos” crava, sem medo de errar.
Antes de chegar à Tanzânia, os voos saídos de São Paulo passam pelo Catar, na Ásia. Ao longo do processo de apuração desta matéria, o EM tentou contatar a representação moçambicana em Brasília, mas não obteve respostas concretas sobre o imbróglio que envolvia Carmen.