Lugar de mulher é onde ela quiser, inclusive no forró
A mulher exaltada na base da matemática do “uma pra mim, outra pra tu” cantarolada “divertidamente” em composição de Luiz Gonzaga e João da Silva, não cabe mais no cancioneiro atual. Mesmo com a justificativa de que o Sertão é/era terra de “caba macho”, provavelmente se vivo estivesse o “Velho Lua” não engataria letras e melodias com apelos versados a mulheres no papel de quem “não mandava e só pedia e que tinha o marido também como patrão” (Mulher de Hoje/Luiz Gonzaga/Nelson Valença).
Os tempos são outros e, embora permaneçam difíceis, têm refutado à mulher outro querer, senão o que for de sua vontade. O palco, a música e o forró são também caminhos desejados por elas e que, para o ciclo junino, por exemplo, são explorados em projetos que somam forças e instigam a igualdade de gênero também na arte.
O retorno do “Forró das Comadres” é um bom exemplo disso e, sob o comando de Cristina Amaral, Irah Caldeira e Nádia Maia, ganha espaço em lives – a próxima acontece no próximo dia 25 - e posteriormente deve chegar aos palcos País afora.
“Unir três mulheres fortes representantes do forró em Pernambuco, no intuito de fortalecer a música popular nordestina, é um dos nossos propósitos”, ressalta Cristina, cantora e compositora pernambucana, dona de si em diversos estilos na música, inclusive (e principalmente) no ritmo mais nordestino de todos.
Remanescente da Casa da Rabeca, o “Forró das Comadres” voltou instigado pelo filho de Nádia Maia, André Maia. Individualmente, cada uma segue em suas carreiras solos, mas juntas em um mesmo palco projetam o fomento à cultura nordestina atrelado ao talento da mulher que segue em busca da igualdade em um espaço cuja predominância é deles.
“Marinês com sua indumentária passou a ser chamada de Luiz Gonzaga de saia. Discriminação, preconceito, de lá até os dias de hoje permanece, e precisamos vencer isso. Elba Ramalho também nos ajuda a segurar a bandeira, a sua voz e a voz de todas as cantoras que defendem o forró”, destaca Cristina Amaral em menção a dois dos nomes de peso do ritmo.
Pioneirismo
Com composições gravadas por Luiz Gonzaga, a primeira delas “Mané e Zabé” no final da década de 1950, a forrozeira pernambucana Marinês (1935-2007) dominava o gênero em letra, sanfona e zabumba. Com algumas dezenas de discos gravados, se consagrou com o grupo "Marinês e sua Gente" e segue como referência saudosa do ritmo.
Assim como ela, Anastácia, parceira de vida e de música de Dominguinhos, e que se mantém com vigor de menina na plenitude de seus 80 anos, e Almira Castilho (1924-2011), autora de composições ao lado de Jackson do Pandeiro, seguem com seus trabalhos reverberados.
Terezinha do Acordeon, Andrezza Formiga e Lucy Alves são outras mulheres que guiam os próprios passos no forró, além de uma nova geração de artistas que embalam o ritmo, as cantoras Márcia Felipe (Garota Safada) e Solange Almeida (Aviões do Forró) estão entre elas.
“O trabalho de Solange e de Márcia mostra a força da mulher na música, e elas chegaram para fortalecer mais nossa arte”, ressalta Nádia Maia.
Embora ainda predominantemente "dos homens", o desbravar caminhos no forró tem se tornado lugar comum a centenas de mulheres cantoras e compositoras do gênero. Abrir os ouvidos e receber o ritmo vociferado por elas, é o outro lado que ainda requer esforço de quem defende arte e empoderamento.
“É uma cultura impregnada e nós temos dificuldade para modificá-la. É algo que realmente ainda merece cuidado de todas nós que fazemos forró e acredito que as meninas e eu percorremos um caminho até mais fácil, porque antes houve mulheres que trilharam a trajetória por nós, desobstruindo-a”, declara Irah.