VINHO É COISA DE MULHER!
Sendo mulher e trabalhando em um setor que há o predomínio masculino, escuto muitas falsas verdade. É comum ouvir por ai que vinho é coisa de homem e que mulher não entende nada de bebida alcoólica.
Bom. Vamos olhar profundamente para o mercado e ver qual é a verdade por trás dessas afirmações.
O mundo do vinho está inundado por homens. Isso é verdade. A presença masculina ainda é majoritária na indústria. Mas isso é uma questão histórica. Durante séculos, preconceitos, tradições, práticas religiosas, superstições e estereótipos sociais conspiraram para manter as mulheres longe do álcool. Como consequência, alcançar posições de destaque e influência no mundo do vinho era praticamente impossível.
Mesmo com todo o cenário contra nós. Existiram corajosas mulheres que abriram caminho para que a gente pudesse estar aqui hoje. E uma delas foi Madame Clicquot no século 19. Quando o marido morreu, ela decidiu tomar conta dos negócios da família. Mas muitos duvidaram da capacidade dela. Inclusive, a chamavam de Buldogue, uma forma de desmerecer sua figura e atuação.
E hoje, em pleno século 21, ainda temos essa mesma situação: homens desmerecendo nosso conhecimento apenas pelo fato de sermos mulheres. A Wine Inteligence desenvolveu uma pesquisa com mulheres de diversas partes do mundo e a grande conclusão foi: as mulheres sentem que têm menos conhecimento sobre vinho do que o homem.
Mas isso é uma falsa impressão. A verdade é que as mulheres têm, ao menos, o mesmo nível de conhecimento sobre vinho que os homens. Pelo fato de nos sentirmos pouco capacitada, buscamos por novas informações o tempo todo. No fim, temos mais conhecimento que os homens, a diferença é que ele são mais confiantes e se sentem confortáveis em dar opinião e compartilhar conhecimento. Enquanto a gente não.
A postura masculina também ajuda a diminuir a mulher. Por terem um posicionamento mais agressivo, as mulheres se sentem confiantes com o seu conhecimento. E acabam guardando o que sabe para si. E, com isso, se colocam menos no mercado, seja como consumidora ou como profissional.
Outro ponto que reforça esse afastamento por parte das mulheres é o medo do julgamento. A mulher tem receio de emitir sua opinião, ela sendo positiva ou negativa, porque acha que vai ser ridicularizada. E, tristemente, muitas vezes isso vem de casa. O próprio parceiro, marido, namorado ou até o pai desmerecem a opinião feminina.
No ambiente externo, essa situação é reforçada com algumas atitudes que parecem inocentes, como por exemplo, quando vamos a um restaurante, normalmente o garçom oferece a carta de vinhos para o homem ou oferece ao homem a prova do vinho.
Todo esse cenário faz com que a própria mulher tenha medo de sozinha fazer escolhas. Pois se questiona se o que está fazendo ou pensando é certo. Por conta disso, acaba optando por vinhos mais baratos ou já conhecidos. Assim se mantem segura na escolha e não corre o risco de sofrer julgamentos.
A insegurança também reflete na compra da bebida. Para a mulher, ainda está muito atrelada ao valor. Normalmente, a mulher gasta menos que o homem em uma garrafa de vinho. De acordo com pesquisa da Wine Inteligence, 68% das mulheres compram vinhas de até 20 dólares. Ou seja, pouco mais de 30% das mulheres compram Vinhos Primium.
Isso acontece por 2 fatores:
1º – O julgamento. Comprando algo mais barato o marido tende a reclamar menos ou ela se sente menos culpada por ter comprado o vinho.
2º – As mulheres têm condições financeiras menores que a dos homens, seja salários menores, menos crédito no bando ou limite do cartão de crédito baixo.
Com isso, o investimento no vinho acaba sendo algo que a mulher se questiona se vale a pena fazer. Mas mesmo com todo esse medo de investir em uma garrafa de vinho, o público feminino é o que mais consome vinho:
57% dos consumidores de vinho americanos são mulheres
78% das mulheres espanholas são responsáveis pela compra de vinho de consumo familiar
60% das mulheres francesas consomem vinho
E olha só que interessante, esse cenário reflete nas vendas online: 51% dos compradores online do Brasil são mulheres. Optamos por comprar através do e-commerces. E sabe por quê? Porque comprando pela internet, não somos julgadas!
Não tem ninguém ali para ver o que estamos comprando. Não tem o garçom achando que não temos dinheiro para comprar o vinho mais caro da carta.
E mesmo com esse medo do julgamento, ainda assim estamos mais abertas a conhecer coisa novas do que os homens. Somos compradoras líderes nas categorias de vinhos orgânicos, biodinâmicos, sustentáveis, de comércio justo, e de enólogas mulheres.
E esse ponto é interessante, homens têm receio de comprar vinhos elaborados por mulheres, pois acham que mulher não entende de bebida alcoólica. Lembram do que eu falei lá no comecinho?! Então. Por não terem confiança no conhecimento feminino, homens preferem adquirir vinhos de produção masculina.
O que podemos tirar de tudo isso é que o cenário é um e a realidade é outra!
As mulheres são as que mais têm conhecimento sobre vinho, são as que mais compram vinho e as que mais experimentam coisas novas. Então só podemos concluir que: se o mercado continuar se comportado dessa forma “patriarcal”, ele estará fadado ao fracasso.
É necessário abrir os olhos e enxergar que o futuro do vinho está em nossas mãos. E nós temos que definir como vamos nos posicionar. O mercado é muito hostil e muito disso é por conta dessa posição prepotente de muitos homens. E nós temos que fazer diferente! Temos que ser acolhedoras.
Temos que fazer com que nossas confrarias, palestras, encontros, redes sociais, cursos sejam lugares onde todas se sintam confortáveis em expor suas ideias, conhecimento e dúvidas. Sem julgamento, sem inveja ou sem reprovação. Nada de olhar para a outra como concorrente.
Temos de nos unir!
Às vezes, sem perceber, de tanto sermos hostilizadas, acabamos por ter as mesmas atitudes que os homens. E aí a gente afasta as mulheres.
Hoje, as grandes empresas do setor têm mulheres à frente. As principais importadoras do Brasil, por exemplo Zahil, Cantu, Casa Flora, Wine, Vince, têm mulheres comandando o marketing. São elas que estão pautando o consumo.
Mas a questão é: será que elas estão fazendo o que realmente acreditam ou ainda estão atuando para cumprir regras e proformas apenas para não serem julgadas?
E aqui está nosso papel. Se a todas agirem de verdade, fazendo a diferença, o mercado vai ter que passar a escutar o que temos para falar. Vão ter que mudar a postura.
Vão ter que nos oferecer a carta de vinhos no restaurante.
Porque a expansão do mercado é nossa