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Sexta, 22 de Novembro de 2024

Um a cada três brasileiros não gosta de ter uma chefe mulher

17/11/2019

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Na gestão das empresas, as mulheres ainda são minoria. De acordo com dados do IBGE, em 2018, mulheres tinham participação de 41,8% no grupo de diretores e gerentes, com rendimento médio correspondente a 71,3% do recebido pelos homens. No entanto, a dificuldade não termina quando elas conquistam a posição de liderança. Conquistar o respeito da equipe ainda é um dilema. Segundo levantamento sobre igualdade de gênero elaborado pela Ipsos, empresa de pesquisa de mercado independente presente em 90 países, 27% (quase um terço) dos brasileiros se sentem desconfortáveis quando a chefe é uma mulher.

Quando a análise é feita por gênero, a insatisfação com uma chefia feminina é apontada por 24% das mulheres e por 31% dos homens. Os índices são semelhantes aos de países como Índia, Coreia do Sul e Malásia. Em contrapartida, na Sérvia, apenas 4% dos cidadãos declararam que não se sentem confortáveis com uma superior do sexo feminino. Para a diretora da área de reputação corporativa na Ipsos, Maianí Machado, o dado mostra vieses inconscientes que dificultam a evolução das mulheres na carreira:

 

— Isso reflete uma questão cultural. Enquanto em países desenvolvidos, a principal ponderação enfrentada para promover a equidade é a igualdade salarial, no Brasil, ainda precisamos debater questões muito primárias, como abuso doméstico, assédio e outros tipos de violência.

Maianí acredita que, para reduzir diferenças no mercado, o apoio dos homens é fundamental. Porém, apenas 39% dos brasileiros acreditam que o “cuidado do lar” não vem sendo debatido o suficiente para alcançar a igualdade, contra a média global de 73%.

A coordenadora de Desenvolvimento da empresa de tecnologia Softplan, Daniele Klotz, de 42 anos, coordena uma equipe de 15 pessoas exclusivamente masculina. Com 23 anos de experiência, três pós-graduações concluídas e um MBA em andamento, opina que as mulheres são obrigadas a provar suas capacidades o tempo todo, o que não ocorre com profissionais homens.

— Como líder, já percebi resistências pelo fato de ser mulher, ou ainda uma mulher negra — conta: — Tenho que mostrar para eles que sou capacitada e faço isso através dos estudos.

Décadas de barreira

Criadora do HerForce, plataforma de avaliação de empresas e divulgação de vagas voltadas para mulheres, Silaine Stüpp lembra que a participação das mulheres no mercado de trabalho aconteceu por necessidade, devido às guerras mundiais. Porém, quando os homens voltaram, a maioria das trabalhadoras foi descartada. As que conseguiram permanecer, ocuparam funções inferiores, com salários menores.

— Passaram-se décadas, e a gente continua lutando contra essa barreira, pelo nosso espaço, que foi conquistado com bastante luta. Infelizmente, a nossa cultura no Brasil ainda é muito patriarcal e machista — opina Silaine. — Se a gente não parar para se desconstruir e abandonar esses preconceitos, a gente vai demorar muito a ver mudanças.

Machismo enraizado se reflete no trabalho

A insatisfação de homens e mulheres em serem liderados por uma chefe tem razões diferentes, na opinião da especialista e palestrante de liderança feminina, Priscilla de Sá. Enquanto no primeiro caso trata-se de um desconforto hierárquico, no outro, representa um temor pela escassez de oportunidades.

— É como se o homem se sentisse menor por estar submisso a quem sempre esteve em uma posição inferior na sociedade. Ao passo que algumas mulheres temem que a chefe não vá querer desenvolvê-la para que não seja substituída, como se existisse uma cota de mulheres que podem liderar dentro de uma empresa — explica.

A criadora da plataforma de vagas HerForce, Silaine Stüpp, acredita que o machismo enraizado tanto em homens quanto em mulheres é um dos fatores que impede a igualdade entre os sexos nos cargos de liderança.

— Desde pequenos, aprendemos que o homem é naturalmente feito para suportar pressão, para tomar decisão. Já a mulher é vista como a pessoa que cuida, que está com um sorriso no rosto e que está no ambiente para embelezar. Quando adultos, acabamos replicando esses vieses inconscientes. Já ouvi gestoras dizendo que jamais contratariam mulheres por causa da maternidade — conta.

Mesmo quando atingem posições altas, as mulheres sofrem críticas por comportamentos considerados naturais nos homens. De acordo com Priscilla, o líder perfeito para a sociedade é o homem competitivo, combativo, rígido, autoritário, excessivamente focado em resultado e ambicioso. Porém, se a mulher adota tais padrões, é vista como durona, louca ou mal-amada. A palestrante de liderança feminina acredita que não exista liderança nata, nem própria do gênero.

— Não aredito em diferenças biológicas, mas existem, sim, as culturais. Mulheres e homens vêm treinando habilidades diferentes ao longo da história. Elas tendem a se voltar mais para as pessoas, a extrair o melhor de cada colaborador, valorizando as diferenças individuais — analisa.

Diferença na política

A baixa representatividade das mulheres no poder não acontece apenas nas empresas privadas. De acordo com o Mapa Mulheres na Política 2019, um relatório da Organização das Nações Unidas e da União Interparlamentar, o Brasil ocupa a 134º posição entre 193 países pesquisados no ranking de representatividade feminina no Parlamento, com 15% de participação de mulheres.

Segundo a coordenadora do Núcleo de Pesquisa em Gênero e Economia (NPGE) da Universidade Federal Fluminense (UFF), Hildete Pereira, dentre os ministros, a situação não é diferente: o governo Bolsonaro conta com apenas duas ministras, mesmo número da gestão de Fernando Henrique Cardoso. Nos dois mandatos do ex-presidente Lula, dez mulheres foram nomeadas; enquanto nos de Dilma, 14 ministras assumiram a posição.

— Isso é uma questão que a sociedade brasileira tem que enfrentar, sobretudo as mulheres. É preciso que elas participem mais dos partidos políticos — avalia Hildete.

A advogada e sócia do Licks Attorneys, de 67 anos, Liliane Roriz, começou a carreira na advocacia pública, depois passou 20 anos na magistratura e hoje atua na advocacia privada. Ela conta que enfrentou e superou problemas na profissão:

— Fui a primeira mulher a ser promovida por merecimento no Tribunal Regional Federal da 2ª Região, em 2005. Antes de mim, as mulheres só subiam por antiguidade. As que me precederam também eram competentes, porém enfrentavam resistência. No nível de juiz, as mulheres são maioria em alguns estados, porque a posição só depende do esforço individual, que é passar em uma prova. Já no segundo nível, para o cargo de desembargador, existe o componente político, e é aí que começam as diferenças.