Sindicato dos Aeroviários no Estado de São Paulo
Sábado, 23 de Novembro de 2024

O MUNDO É MESMO UM LUGAR HORRÍVEL PARA SER MULHER

31/08/2017

Clara Averbuck foi vítima de estupro num UBER na semana de 28 de agosto. O motorista se aproveitou do fato da rua estar deserta, de Clara ser mulher e estar vulnerável. Violou o corpo dela com um dedo.

Por que com um dedo e não com o pinto logo de uma vez? Essa história está esquisita. Inventou para aparecer? Por que não fez B.O? Vai ver que ela deu e se arrependeu? Ou não gostou? Crueldade, teu nome é comentário de rede social.

Clara, você tem razão. O mundo é mesmo um lugar horrível para ser mulher. Estamos expostas. Desprotegidas a qualquer hora do dia. Amedrontadas. E, pior, somos sempre vistas como as culpadas por tudo o que sofremos.

Só quem passou sabe a dor da agressão. A humilhação de precisar se expor. Os olhares que, claramente, duvidam de nossa versão. E desrespeitosamente mostram isso com um leve sorriso debochado no rosto.

A mulher agredida fica com a alma moída. A vontade é de esquecer. De sumir. De se encolher e só chorar. De ter colo sem ter que pedir. A dor da agressão, seja ela qual for, é profunda e solitária.

“Ela estava bêbada. Também com aquela roupa. Estava pedindo. Não se dá ao respeito.”

Nada justifica um estupro. Nada dá a um homem o direito à violação do corpo de uma mulher. Ponto. É cruel. É crime. Não tem desculpa. Basta de desrespeito.

-Se é crime, denuncie.

Falam os donos da verdade. Já experimentou denunciar? Experimente. Depois me conte.

Ouse ir à uma delegacia. Fale de sua agressão. Espere o resultado. Sentada. Espere sentada. Aproveite o intervalo longo e compre remédios para indigestão. Ouvir agressores se defendendo é de dar nojo. Embrulha qualquer estomago feminino. E de homens com um mínimo de noção.

Clara foi agredida. Mas tem como provar? Não tem? Então vai denunciar como? Ainda se arriscar a ser processada por calúnia? Sim, em se tratando de Brasil, nada me espanta.

Somos mulheres. Vulneráveis. Vítimas de tudo tipo de culpas e castigos. Num mundo de homens, a razão nunca é nossa. A decisão, raramente é a nosso favor. Nos olham como quem encara a serpente do paraíso. A safada. A que oferece a maçã. Se oferece. Provoca. Sempre somos a ré. Desde os tempos de Eva.

Gente, acorda. A questão que se levanta aqui não é ir ou não ir à delegacia fazer B.O. Não. A questão que se impõe é por que as mulheres evitam ir à delegacia dar queixa de suas agressões? Por que a justiça não nos protege adequadamente? Por que somos largadas à própria sorte?

Essa questão tem outros desdobramentos, como por exemplo, a justiça é feita por homens. Para homens. Sem empatia alguma para a vulnerabilidade feminina. Esses homens não têm mãe? Filha? Irmã? Qualquer mulher amada que merecesse ser bem protegida? Defendida? Por ela, que fosse, não valeria repensar essas leis safadas que nos desprotegem?

A justiça que Clara Averbuck deveria ter procurado é a mesma que chegou a libertar Bruno, o goleiro assassino. E o médico estuprador de clientes Roger Abdelmassih. A mesma que aceita perícias estranhas que afirmam que que mulheres agredidas se bateram. Oi? Uma justiça dessa, você sendo mulher, procuraria?

O problema está na base da sociedade. Na cabeça de cada um. Das mulheres inclusive. Criaturas sem sororidade. Sem empatia com suas iguais. Ingênuas ou burras? Não estariam elas no mesmo barco? Correndo os mesmos riscos?

O problema está nos donos da verdade que andam por aí de dedo apontado nos julgando e condenando. Um mundo onde homens se sentem no direito de invadir o corpo feminino com olhares vulgares, dedos, pintos e o que mais quiserem, esse mundo não é bom para ninguém. Tenho medo de viver nele.

 

É triste reconhecer. Mas a gente deu defeito. Não prestou, não. Onde se faz recall de um país tão machista?

Mônica é carioca, professora e psicóloga clínica. Especialista em atendimento a crianças, adolescentes, adultos, casais e famílias.