Mulher sofre violência obstétrica após parto: “Só conseguia gritar e me contorcer”
Violência obstétrica é um termo amplo que pode parecer difícil para muita gente. Mas a fisioterapeuta Gabriela Maria dos Santos, de 23 anos, sabe na prática o que ele significa. Grávida de gêmeas, ela sofreu um aborto espontâneo na 19ª semana de gestação e teve que induzir o parto. Além do sofrimento de perder as pequenas Sofia e Helena, ela acabou sofrendo de retenção placentária, quando partes da placenta ficam presas dentro do organismo da mãe, e precisou realizar uma curetagem.
Há duas maneiras de realizar essa retirada. Se a mulher estiver em choque, com hemorragia intensa ou correndo risco de vida, o processo deve ser feito de forma manual, sem anestesia, para poupar tempo. Caso a paciente esteja consciente, mesmo que haja hemorragia, o mais indicado é anestesiar a mulher para que ela não sinta dor durante esse processo, que é invasivo. Era esse o caso de Gabriela.
— Eu não tive reação além de gritar e me contorcer. Eu estava com hemorragia e ele tentou tirar a placenta com a mão. Eu não estava em choque, daria tempo de me levar ao centro cirúrgico e anestesiar. Senti muita dor e não conseguia argumentar com ninguém. Quando o médico viu que não ia conseguir terminar, me levou ao centro cirúrgico, onde tomei anestesia e passei por uma curetagem.
A Cartilha de Violência Obstétrica produzida pela Defensoria Pública do Estado de São Paulo explica que é violenta a “realização de procedimentos invasivos e dolorosos sem consentimento ou sem anestesia”. Além disso, o documento informa que, em “caso de aborto incompleto ou retido, o profissional de saúde deverá utilizar métodos humanizados para atendimento, garantindo o alívio da dor por anestesia”.
Gabriela também revela que passou por todo o sofrimento sozinha, pois negaram a entrada do seu companheiro na sala no momento do procedimento.
— Eu sofri a dor da perda do parto, de sofrer um procedimento fisicamente dolorido e ainda enfrentei tudo isso sozinha, porque não deixaram meu companheiro ficar comigo.
Segundo a Lei 11.108/2005, toda mulher tem direito a um acompanhante indicado por ela. A defensora pública e coordenadora do Nudem (Núcleo Especial de Defesa dos Direitos da Mulher), órgão da Defensoria Pública do Estado de São Paulo, Ana Rita Souza Prata, explica que negar acompanhamento é considerado ilícito.
— É ilícito no âmbito civil por causar danos à mulher. No âmbito administrativo, é de responsabilidade do profissional e do hospital. Criminalmente, é um constrangimento.
Trauma e a vontade de ser mãe
Após a violência, Gabriela não teve grandes sequelas físicas. Ela teve um sangramento, que é típico do pós-parto, durante 30 dias, mas não sentiu dor. Segundo ela, a falta de sequelas é também sinal de que o processo criminal seria complexo. Ana Rita concorda:
— Apesar de haver amparo, a demanda da vítima não necessariamente será acolhida. Isso porque, muitas vezes, os juízes, ao analisar situação como erro médico, levam em conta dados concretos de sequelas para a mãe ou o bebê. Há dificuldade de debater questões menos concretas.
Com todo o trauma, a fisioterapeuta disse que resolveu não denunciar o profissional de saúde.
— Não entrei em ação contra ele [médico] porque demanda tempo, energia e eu teria que reviver essa experiência traumática. A violência obstétrica não é tipificada como crime e os juízes não estão acostumados com esse termo, não senti abertura para denunciar.
Mas isso não a fez perder a vontade de ser mãe novamente.
— Tenho muita vontade e tive muito apoio nesse processo. Além disso, comecei a atuar como doula e conheci outros caminhos de parto que são mais respeitosos com a mulher e o bebê. Sei que há outras possibilidades que me deixarão mais segura e confortável.